sábado, 4 de dezembro de 2010

1 ANO, e ninguem foi punido

SEGURANÇA

Impunidade marca selvageria do Couto

Responsáveis por violência seguem livres e frequentando o Alto da Glória. Episódio completa um ano nesta segunda-feira

Publicado em 05/12/2010 | CARLOS EDUARDO VICELLI E MARCOS XAVIER VICENTE

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A selvageria que marcou o rebaixamento do Coritiba em 2009, com a invasão do gramado do Couto Pereira por parte da torcida e a consequente briga generalizada com a polícia, completa um ano nesta segunda-feira. Aniversário pálido. O episódio desencadeou em uma série de iniciativas do poder pú­­blico na tentativa de amenizar a violência no futebol, mas, concretamente, pouca coisa saiu do pa­­pel. E o que é pior: os protagonistas da batalha campal estão todos livres, a pedido da Justiça, muitos deles frequentando as arquibancadas do Alto da Glória.

Reimackler Alan Graboski e Gilson da Silva, os últimos dois torcedores que cumpriam pena no Centro de Triagem de Pira­­qua­­ra, na região metropolitana de Curitiba, foram liberados em ju­­nho, cerca de seis meses após a pancadaria. No total, 17 pessoas foram detidas por causa da confusão. “O Reimackler está solto, em liberdade provisória, porque não tentou matar ninguém. As cenas mostram apenas ele an­­dando de um lado para o outro do campo”, afirma o advogado Faus­­to Luís Arriola de Freitas, responsável pela defesa do ex-vice-presidente da Império Alviverde, principal organizada do Coxa.

Facções

As três principais orga­­nizadas de Curitiba um ano após os incidentes do Couto Pereira:

Império Alviverde

Em rota de colisão com a diretoria, a torcida não pode entrar no Couto Pereira com camisas e adereços, o que rendeu troca de farpas recentes com os dirigentes do clube. Entrou com uma ação na Justiça para tentar recuperar o direito de expor sua marca na arquibancada. Caso não saia vencedora, promete seguir nas contestações ao atual grupo administrativo coxa-branca. “O que está acontecendo é uma hipocrisia”, diz Luiz Fernando Corrêa, o Papagaio, presidente da Império.

Os Fanáticos

Um grupo de torcedores, chamado de Zona Sul, deixou a torcida, se in­­corporando à Ultras, a outra unifor­­mizada atleticana. A saída resultou em rixa. Se tornou comum as duas facções trocarem xingamentos e pontapés fora do estádio. Julião da Caveira, vereador de Curitiba pelo PSC, se licenciou temporariamente da presidência da Os Fanáticos.

“A cobrança aumentou, assim como a nossa responsabilidade”, afirma o vice-presidente Juliano Rodrigues.

Fúria Independente

Se envolveu em recente polêmica com a diretoria do Paraná por não admitir que o clube vendesse ingressos mais baratos que a própria organizada, que recebe cerca de 300 tíquetes por jogo para comercializar – e ajudar a manter sua estrutura. Sobre o que mudou após o episódio do Couto Pereira no ano passado, silêncio. Ninguém da facção quis se pronunciar.

Entre as leis que não vingaram está a proposição dos vereadores de Curitiba, Tico Kuzma (PSB), Roberto Aciolli (PV) e Ju­­liano Borghetti (PP). Sancionada pelo então prefeito Beto Richa (PSDB) em janeiro, ela prevê a identificação dos torcedores que frequentam os estádios da cidade com capacidade superior a 15 mil pessoas – por meio de documento oficial e fotografia no momento da compra do ingresso.

Os clubes, porém, deram de om­­bros para a resolução. Apenas o Atlético se readaptou. Para o Co­­ritiba, falta regulamentação à lei. Já o Paraná bate na tecla da inconstitucionalidade. “Acredito que a prefeitura ainda pode revogá-la”, diz Alessandro Kishino, ad­­vogado que representa o Tri­­color. “Não pegou”, emenda Vil­­son Ribeiro de Andrade, vice-pre­­sidente alviverde.

Além de improdutiva, a iniciativa municipal foi deformada. Fãs proibidos de entrar em praças esportivas encontram uma solução para driblar o decreto: pedem para outras pessoas comprarem os tíquetes, o que permitiu o re­­torno de vários dos vândalos de 6 de dezembro, conforme apurou a Gazeta do Povo. “Vou cobrar da secretaria de Urba­­nismo [responsável pela aplicação da lei] um posicionamento, quero saber o que está acontecendo. É lamentável que não esteja dando certo”, comenta Tico Kuzma.

O governo federal e o Mi­­nis­­tério Público (MP) também estudam mecanismos para devolver a paz aos estádios. Sobre a mesa do MP repousa um Termo de Ajus­­tamento de Conduta (TAC) que delibera sobre o comportamento das uniformizadas. Não há previsão, porém, de quando a iniciativa, um pedido das torcidas, será regulamentada.

Procurador-geral de Justiça do Ministério Público do Paraná, Olympio de Sá Sotto Maior Neto diz acreditar mais na instalação de juizados especiais nos estádios em dias de jogo, prevista para acontecer no próximo Cam­­peo­nato Paranaense, a partir de 16 de janeiro. De acordo com ele, esses juizados permitirão que os casos de violência cometidos nos campos ou nas proximidades se­­jam averiguados de imediato. Outra vantagem, segundo o procurador, é que tanto os juízes quanto os promotores poderão se especializar nos temas relacionados à violência no futebol. “A resposta tem de ser diferenciada em relação a outros delitos”, avalia.

No cenário nacional, o Mi­­nistério do Esporte trabalha em duas outras frentes. Reformulou o Estatuto do Torcedor e criou o projeto Torcida Legal. Sancio­­nado em julho pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o novo estatuto prevê, entre outras medidas, o impedimento de as organizadas entrarem em estádios por até três anos. Ainda não houve punição deste gênero no país.

Já o Torcida Legal, cujo lançamento estava programado para o segundo semestre deste ano, foi adiado por questões burocráticas. O governo federal deu início apenas agora ao processo de licitação da compra de equipamentos para a identificação dos torcedores, que poderá ser feita por meio da íris ocular, palma da mão, digital ou reconhecimento facial.

O poder executivo estima gastar entre R$ 1 milhão e R$ 3 milhões com cada estádio dos 20 clubes da Série A. “A intenção é colocar em funcionamento no próximo Campeonato Brasileiro. A situação já melhorou, mas queremos ser referência no assunto”, ressalta Alcino Reis Rocha, assessor especial de futebol do Mi­­nis­­tério do Esporte, indicando que o projeto deve começar pelo Couto Pereira.

Reação atenuou vandalismo

Apesar das leis inócuas e da morosidade da Justiça, a Polícia Militar exalta a sensível diminuição do nú­­mero de ocorrências relacionadas ao futebol neste ano. “Ne­­nhu­­ma grave”, diz o coronel Marcos Scheremeta, comandante do batalhão da capital. “O que temos ainda são invasões e quebras de ônibus, de estações-tubo. Mas até isso melhorou muito”, emenda, creditando a evolução a três fatores: po­­liciamento preventivo, mudança no comportamento do torcedor e do próprio policial. “Os soldados precisaram entender que futebol não é guerra, e que os bons não po­­dem pagar pelos maus.”

A estatística da PM é a mesma da Urbs. De acordo com a autarquia responsável por administrar o transporte público em Curitiba, o número de veículos depredados em dias de jogo caiu consideravelmente. Neste ano 105 ônibus fo­­ram danificados, contra 171 em 2009 (veja mais detalhes ao lado). “Me parece que a população está mais consciente”, comenta Marcos Isfer, presidente da Urbs. “As depredações resultam em um custo brutal para o sistema. Quem quebra não pode reclamar do aumento da passagem”, segue.

Isfer planeja melhorar ainda mais os índices em 2011. Se a burocracia permitir, a ideia é instalar equipamentos de filmagem nos ônibus.

Mesmo raciocínio tem o coronel Scheremeta. Para ele, a tendência é que medidas como a cria­­­­ção de cinturões próximos aos estádios, restringindo o acesso do público – apenas moradores e quem tem ingresso recebem permissão para circular nas áreas –, e a implantação de juizados especiais nos complexos es­­por­­tivos façam com que o mau tor­­­­cedor pense várias vezes antes de agir.

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