terça-feira, 13 de julho de 2010

SPORTV & PARAGUAI

O limite entre a graça e o deboche

Conheça o Observatório da imprensa

Por Carlos Brickmann em 13/7/2010

Quando alguém é engraçado, conta piadas sobre o pão-durismo de judeus e árabes, sobre as peculiaridades dos portugueses, sobre hábitos atribuídos aos gaúchos, todo mundo ri e ninguém se ofende. Quando alguém não é engraçado, não deve se meter a fazer graça: corre o risco de errar a mão e fazer humor pesado, agressivo, ofensivo.

Um canal esportivo da TV brasileira ultrapassou a linha: ao tentar fazer humor sobre o Paraguai – cuja seleção brilhou como nunca nesta Copa do Mundo – foi apenas grosseiro. Falava de lindas paisagens e mostrava imagens de péssimas estradas de terra, elogiava a alta gastronomia e mostrava restaurantes de baixa qualidade, coisas desse tipo – como se fossem características do Paraguai, e não de tantos outros países do mundo, inclusive este nosso. Um pouco de música brega, como se aqui só houvesse compositores e cantores do nível de Tom Jobim e Chico Buarque. Larissa Riquelme, a bela "noiva da Copa"? Não: mulheres bem mais velhas, bem menos cuidadas, com muito mais peso. Mais ou menos como aquele besteirol americano sobre o mito das mulheres bonitas na praia brasileira (em que a mais feia de todas, por acaso, era uma turista). Os paraguaios se ofenderam, a TV brasileira pediu desculpas, mas não há desculpas: a arrogância, a prepotência que orientaram o filme não tinham nem a contrapartida do talento. [Ver, neste Observatório, "Paraguai, grosseria e preconceito".]

No início da Segunda Guerra Mundial, a "política da boa-vizinhança" do presidente americano Franklin Roosevelt fez com que Walt Disney cruzasse o Rio Grande, fronteira dos Estados Unidos com o México, para mostrar os estranhos hábitos dos demais povos do continente. Foram obras extremamente preconceituosas, mostrando com olhar superior a siesta mexicana, o carnaval brasileiro – engraçadíssimo, com gente supervestida cantando "Escravos de Jó" – o gaúcho pilchado fazendo churrasco. A prepotência era a mesma, mas o talento não: Disney deixou filmes magníficos, criou sequências fantásticas (a criação do Rio de Janeiro e do Zé Carioca é uma peça antológica), pôs na trilha sonora clássicos como "Aquarela do Brasil" e "Tico-Tico no Fubá". A propósito de Disney no Brasil, veja este link, que é magnífico – coisa para guardar na memória do computador.

Até para ser prepotente é preciso ter talento. Disney tinha. A turma que criou o ofensivo monstrengo sobre o Paraguai definitivamente não o tem.

Jornalismo em risco

Há, e sempre houve, muitas críticas ao jornalismo de TV. Mas hoje a crítica envolve até mesmo a sobrevivência do gênero: estará o jornalismo televisivo sendo contaminado pelo humor grosseiro e escrachado que tira sua graça de incomodar pessoas que não têm nada com isso e infernizar-lhes a vida?

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.