quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Opinião: Marcelo Barreto

qua, 10/11/10

por marcelo barreto |

categoria Futebol

| tags Coritiba, Ney Franco, Série B

coritiba4No dia 6 de dezembro de 2009, o Coritiba caiu para a Série B do Campeonato Brasileiro. Santo André, Náutico e Sport também – e até terminaram atrás na tabela. Mas nenhum dos outros três tinha começado aquela rodada, a última, fora da zona do rebaixamento. Nenhum deles festejava seu centenário naquele ano. Nenhum teve seu estádio invadido – por facções que usavam suas próprias cores – no dia da queda. Apenas um time viveu todas essas cenas em seu roteiro.  Não houve adeus à elite mais sofrido do que o do Coxa.

No dia 9 de novembro de 2010, o Coritiba subiu para a Série A do Campeonato Brasileiro. Ainda faltam três rodadas para terminar o campeonato. O Sport está três pontos atrás da zona de classificação, agora em sexto lugar, porque empatou e foi ultrapassado pela Portuguesa, que venceu. O Náutico está dois pontos à frente da zona de rebaixamento, e sua próxima missão é enfrentar, fora de casa, justamente o time que só precisa de uma vitória para ultrapassá-lo, o Brasiliense. O Santo André está a um ponto da lanterna, e só escapa com um milagre. Não houve volta à elite mais rápida do que a do Coxa.

coritibaA rodinha dos jogadores vestidos de verde no gramado de São Januário – no mesmo Rio de Janeiro onde o Coritiba se tornou campeão brasileiro pela primeira e única vez, há 25 anos – era o retrato perfeito do que foi a temporada da recuperação: uma celebração espartana, longe de casa, premiando a competência, palavra mais usada pelo técnico Ney Franco nas ponderadas entrevistas que concedeu após a dramática vitória sobre o Duque de Caxias. A recepção no aeroporto, a festa nas ruas pintadas de verde, o desfile em carro aberto, tudo ficou para depois. O Coxa que buscou o caminho de volta à Série A era um herói exilado, como o Héracles da mitologia grega, que vai realizar suas façanhas fora de casa e só se liberta depois de cumpri-las.

O Coritiba não tinha 12 trabalhos. Tinha 30 jogos a cumprir fora de sua casa, o estádio Couto Pereira, palco da invasão no dia da queda. Mas com uma diferença: se Héracles foi abandonado por uma madrasta enraivecida, o Coxa jamais deixou o seio de sua torcida. Em todos os fóruns, inclusive neste blog, os torcedores coxa-brancas se queixaram da maior punição já aplicada a um clube brasileiro, que desde sempre consideraram injusta – mesmo quando a pena foi reduzida a um terço. A temporada da retomada começou com mágoa.

neyfrancoMas o sentimento que era dedicado a fatores externos jamais respingou no time. Não só a torcida, mas a diretoria soube separar as coisas. A primeira providência, sempre a mais fácil, dos clubes que caem, não foi tomada: o técnico Ney Franco não foi demitido. A comprovação do acerto veio 35 rodadas depois, nas palavras do próprio Ney, à beira do campo de São Januário: “Se eu tive minha parcela de culpa no rebaixamento, agora tenho também minha participação na competência que nos levou ao acesso.” Foi esse equilíbrio de quem não festeja a vitória xingando ou apontando o dedo para adversários reais e imaginários que norteou a campanha do time que ele comandou.

Manter a base do time que caiu também foi importante (Edson Bastos, Vanderlei, Jéci, Pereira, Ângelo, Leandro Donizete e Marcos Aurélio, só para citar alguns). Um dos chavões do futebol na era dos pontos corridos é dizer que um grupo que foi campeão na Série B não está pronto para fazer sucesso na Série A. Pois a recíproca – raramente usada – não é verdadeira, e não pelos motivos óbvios. Quem vem de um rebaixamento na Série A pode sim fazer sucesso na Série B, porque tem mais chances de se encher de brios, de assumir a responsabilidade de levar quem é grande de volta ao convívio dos maiores. Claro que isso passa pelo caráter de cada jogador, e disso o torcedor do Coritiba nunca pôde duvidar. Quem ficou estava a fim de voltar.

marcosaurelioBrio da torcida, serenidade da diretoria, compromisso dos jogadores. Com esses três elementos, o Coritiba fez na Série B uma campanha de time da Série A. Na era dos pontos corridos nas duas divisões, o campeão da segunda sempre foi um ex-campeão da primeira: Atlético-MG em 2006, o próprio Coxa em 2007, Corinthians em 2008, Vasco em 2009. Falta agora uma vitória para ser o primeiro a repetir a façanha. E ela pode vir em casa, já na próxima rodada, contra outro candidato ao título, o Figueirense. O futebol não tem compromisso com justiças poéticas, mas de vez em quando resolve preparar o cenário de uma grande história: o Couto Pereira vai estar lotado no próximo sábado, às 17:00, na esperança de que uma taça seja erguida num palco que há menos de um ano vivia cenas de queda e invasão.

Escrevi em outro post: “Quando o Coritiba subir, terá sido com raça e competência para não se deixar abalar por um rebaixamento no ano do centenário.” Uma festa modesta em São Januário, um minuto depois que Marcos Aurélio marcou um dos gols mais bonitos de todo o campeonato da Série B, escreveu o capítulo decisivo dessa história. Mas não era o epílogo. Falta ver o herói exilado voltar para casa.

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